Pernilongos

Tinha ido cedo para a cama aquela noite. Era início de primavera e os pernilongos já não a deixavam dormir há dias. Parecia implicância: toda madrugada, entre três e quatro da manhã, o zumbido infernal bem no pé do ouvido, como que o sussurro de um amante, vinha importunar seu sono. Sem a vantagem dos carinhos após a interrupção das aventuras oníricas.

Laura odiava os malditos pernilongos. Era muito alérgica a qualquer picada de inseto e, na última semana, já conseguira diversas delas – algumas até já haviam se tornado machucados, de tanto coçar. Mais de uma vez, ao tentar espantá-los, sua mão acertara um dos animais, mas nunca era rápida o suficiente para matá-los. O inseticida não parecida ter qualquer efeito sobre a progressão geométrica de acordo com a qual os mosquitinhos se multiplicavam, e todos os repelentes que experimentara tinham se mostrado inúteis.

O pijama de mangas compridas e as várias cobertas ajudavam. Por isso, apesar dos vinte e sete graus, Laura fez todo o ritual de equipar a cama e vestir as roupas folgadas de frio. Os cabelos também consistiam em proteção, por isso ela os manteve soltos. Deitou-se, enfim, após um dia longo para o descanso dos justos.

Bzzzzzzzzzz. Eram três e sete da madrugada. Deitada de bruços, com a cabeça virada para o lado esquerdo, Laura mudou de posição, virando-se para o outro lado. O cabelo percorreu uma trajetória no ar, mas antes que pudesse cair de volta no travesseiro, uma barreira o interrompeu. Algo estava atrás dela.

A jovem despertou-se rapidamente. Todo o calor que sentia desapareceu com o congelar de seu sangue e o retesar de seus músculos. Apesar do medo, a curiosidade tornava necessário que Laura olhasse por cima do ombro. E ela não pode crer no que via.

Era um sonho, só poderia. O imenso dragão laranja levitava, com um bater de asas leve e um rosto sonolento, e abaixara a cabeça até quase tocar o travesseiro de Laura. Ela se sentou e observou a criatura, sem qualquer sinal de medo. Os olhos anil do animal se fecharam calmamente quando a jovem acariciou o focinho escamoso e brilhante. O zumbido de pernilongos cessara. Os olhos da jovem estavam marejados.

“Você voltou.”

“Eu nunca estive longe, pequena Laura.” – O toque mental de Druida, o dragão, após vinte e dois anos, era reconfortante – “Você só não precisava de mim.” – o animal se acomodou nos espaço vazio da cama de casal, a cauda e metade da barriga para fora dela. As patas traseiras tocavam o chão e mantinham a barriga na altura da cama, permitindo que Druida ficasse confortável, apoiando as patas dianteiras no travesseiro.

“Como entrou aqui?”

“Do mesmo jeito que todos os outros pernilongos. Pela janela da cozinha.”

“Você era… Um pernilongo?” – A jovem parecia surpresa.

“Posso tomar a forma que convier aos meus propósitos.” – o corpanzil do dragão ia diminuindo, até que atingiu o tamanho ideal para que as quatro patas ficassem em cima do colchão – “Sou só mais uma centelha de energia no universo. Já esqueceu de tudo o que te ensinei?”

A jovem enrusbeceu de vergonha ante a demonstração. “Não, Druida.”

O dragão bufou em resposta, como se risse. Aninhou sua grande cabeça triangular no colo de Laura, e a moça sentiu sua alma fraquejar.

“Tudo tem sido tão difícil, Druida. Estou a ponto de desistir.”

“Não tenha medo. Você conhece a força da magia que existe dentro de ti. Acredite nela.”

As lágrimas escorriam pela face ruborizada da jovem. Desde os seus sete anos, Laura sonhava em rever seu guardião, e ali estava ele, colocando-a novamente em seu caminho. A paz preenchia sua alma um pouco mais a cada segundo. Estava segura novamente.

“É hora de dormir de novo, campeã.”

A moça bufou, como uma criança sem sono que vai para a cama só porque a mãe mandou.

“Você ainda vai estar aqui quando eu acordar?”

Druida tocou o peito e a testa de Laura com o focinho. “Boa noite, pequena Laura.”

“Boa noite, Druida.”

A jovem aninhou-se ao corpo morno do dragão – ainda muito maior que o seu – e adormeceu.

Laura acordou com frio. As cobertas estavam todas jogadas no chão, e ela estava sozinha. Tinha sido só um sonho. Olhou o relógio, ainda faltavam quarenta minutos para o despertador tocar. Não podia ter sido só um sonho. Voltaria a dormir.

A jovem pegou uma das cobertas que caira no chão. Não precisaria mais de todas, os pernilongos já tinham ido embora. Reaninhou-se na cama, fechou os olhos e bzzzzzzzzz.
Um último pernilongo saía. Laura sorriu com a alma e deu adeus ao velho guardião. Não voltaria a atentar contra os malditos mosquitinhos.