Libertação

Estava em todos os tabloides. Fotos sorridentes, abraçando estranhos, em lugares que jamais estivera – e que nem queria estar. Aparecia ajudando pessoas e carpediemzando, um exemplo para os sessentões pelo mundo. Entretanto, aquele não era ele. Seu verdadeiro eu só saía de sua opulenta casa para o trabalho, quando o fazia. Percebera que as pessoas eram interesseiras e viam apenas sua riqueza e fama, jamais sua personalidade agradável, seu jeito divertido e maneiras delicadas – pelo menos, não fora das telas. Desde então, a tristeza começara a apossar-se de seu coração, e ele não sentia mais vontade de viver. Mesmo com a maior parte de seus compromissos tendo sido delegados a seu sósia, o qual sorria alegremente para as câmeras em seu lugar.

Um dia, decidiu que não dava mais. Queria viver. Queria voltar a ser anônimo, ter tudo o que lhe fora tomado pelo sucesso. Amigos. Família que o amasse e cuidasse. Um trabalho que exigisse menos e trouxesse o sentimento de realização que o teatro lhe trouxera por tantos anos. Sentia-se envelhecido e achava-se merecedor da tranquilidade e alegria que buscava. Então, viu a luz no fim do túnel.

Documentos novos, dinheiro retirado do banco (uma quantia suficiente para viver por alguns meses). O destino estava escolhido: um lugarejo no sul da Escócia. A plástica já estava marcada, sob um terceiro nome, justificada pela necessidade de parecer-se menos com aquele ator tão aclamado. Nada menos que infernal era ser perseguido por pessoas que julgavam-no alguém famoso. Chamou, então, o sósia à sua casa.

A pequena arma de mão estava pronta. Duas balas e um silenciador. Jogo rápido. Por mais desvendável que o crime pudesse ser (malditas impressões digitais que sempre entregam tudo), ele jamais seria encontrado. E também, ninguém quereria manchar a reputação de um nome tão forte do show business. O suicídio seria aceito e propagado pela mídia tão facilmente quanto toda aquela felicidade falsa.

Um toque na campainha. Era domingo. A esposa estava em viagem, e os empregados estavam de folga, devendo encontrar o corpo apenas no dia seguinte. Por incrível que pudesse parecer, nenhum paparazzo espreitava pelos altos muros da casa. O universo conspirava a seu favor.

O sósia entrou no hall da mansão e foi conduzido pelo ator à sala de visitas, que ofereceu-lhe o melhor whisky escocês disponível (afinal, todo homem merecia uma boa dose de scotch antes de morrer). Sentaram-se nas confortáveis poltronas da sala, em frente à lareira. Conversaram tranquilamente. Ele estava a um tiro da liberdade.

A ideia do tiro ainda o incomodava. Evidências demais sairiam dali, além do quê, o pequeno revolver (que mais lembrava um grampeador que uma arma) era perfeito para seu uso, e detestaria ter de deixá-lo ali. Pediu licença ao convidado, alegando ir buscar algo para servir-lhe. Um café e um travesseiro.

Serviu o café e voltou à mesa afastada do campo de visão do sósia na qual apoiara a baixela. O travesseiro era grande. Alguns segundos e aquela cópia tão exata de si mesmo sentiria sua vida se esvair. O remorso o incomodou. Aquilo teria de valer à pena. Seria feliz, nem que fosse apenas para compensar seu ato. Surpreendeu sua vítima por trás, o confortável travesseiro negro empurrando e imprensando a cabeça do futuro morto contra o encosto da poltrona de couro marrom. O nervosismo do sósia acelerou o processo. Em poucos segundos, o assassino estava sozinho.

O ator vestiu o cadáver com seu pijama e o deitou na cama King Size, de bruços, como costumava dormir. Sua morte seria pública em breve. Não a sua, a do famoso e aclamado comediante. Ele agora era Willem Robinson, um simples trabalhador. Um homem livre.

Em memória de Robin Wiliams. Que ele esteja livre, agora.

Ober un evezhiadenn